Ameaça sobre o legado de Jorge Amado

O cenário de “Gabriela, Cravo e Canela”, referência em turismo sustentável, está ameaçado pela construção de 2 portos, que vão trazer navios de grande porte.

 

Às vésperas da Rio+20, o governo baiano propõe implantar no sul da Bahia um “projeto de desenvolvimento” com uma visão de progresso do século 20: a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), com o objetivo de exportar commodities e minério de ferro através da construção de dois portos em Ilhéus.

O governo do Estado assume a responsabilidade pelo licenciamento ambiental dessa infraestrutura portuária perante o Ibama, ainda que um dos portos seja de uso privativo da Bamin (Bahia Mineração).

O minério de ferro basicamente será explorado por essa empresa em uma mina no município baiano de Caetité. Sua vida útil seria de quinze anos, e a sua implantação comprometeria 27 cavernas.

Vale lembrar que, pela sua importância, as cavernas são consideradas bens da União pela Constituição. Ela são ainda protegidas pela Constituição da Bahia.

Importa aqui chamar a atenção para a real vocação do sul da Bahia, ainda mais no ano de celebração dos 100 anos de Jorge Amado, o mais popular escritor brasileiro do século 20.

Todos sabem que seus livros são ambientados no sul da Bahia -o mais conhecido, “Gabriela, Cravo e Canela”, acontece em Ilhéus.

É importante lembrar também que a região é uma referência em turismo sustentável no Brasil. Isso se viabilizou graças aos investimentos públicos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento nos últimos anos.

A implantação do projeto coloca em risco toda essa economia geradora de postos de trabalho e renda para a população local.

Com relação ao projeto original de se implantar o terminal privativo na Ponta da Tulha, houve inegável avanço em se reconhecer que aquela localização comprometeria os frágeis atributos ecológicos lá existentes, especialmente os recifes de corais.

A Bahia é um dos poucos litorais no Atlântico Sul com ocorrência de corais, algo que foi assinalado por Charles Darwin em seu livro “The Structure and Distribution of Coral Reefs” (“A Estrutura e a Distribuição dos Recifes de Corais”).

A nova localização, Aritaguá, oferece graves riscos à região, com possibilidade de que as praias do litoral norte sofram sérios problemas de erosão. Isso, aliás, consta dos estudos ambientais, sem que uma resposta efetiva tenha sido dada.

Os navios de grande porte para o transporte de minérios podem provocar danos irreversíveis aos corais da região. Há ainda, obviamente, a incompatibilidade entre um destino turístico com características tão especiais com uma infraestrutura de exportação de minérios e com a eventual transformação daqueles municípios em um polo industrial.

Todos são a favor de que se encontre uma solução para os problemas do sul da Bahia. É preciso criar postos de trabalho, melhorar o IDH da região e, enfim, gerar oportunidades para a população lá residente.

Por outro lado, implantar uma economia na região às custas do patrimônio ecológico e cultural significa privilegiar uma visão estreita, de curtíssimo prazo, que está na contramão de uma economia verde sintonizada com os limites ecológicos da região e do planeta.

É a consagração do atraso em nome do progresso.

FABIO FELDMANN, 56, é ambientalista e foi deputado federal por três mandatos. 

 

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