Fonte: Jornal Valor Econômico | 31/10/2013
Por Pedro Luiz Passos e Roberto Klabin
O governo brasileiro lançou, na semana passada, o Plano Nacional de Contingência para grandes vazamentos de petróleo – um dia depois do polêmico leilão do pré-sal do campo de Libra, que ocorreu no Rio de Janeiro em 21 de outubro. Da forma como foi concebido, formulado e divulgado, o Plano, porém, não passa de uma carta de intenções. Suscita mais perguntas do que propõe respostas e deixa abertas questões primordiais, como a operacionalização e os recursos disponíveis para enfrentar eventuais acidentes e vazamentos. Enfim, não atinge seu objetivo maior, que é garantir a segurança ambiental em uma das principais e mais ricas zonas costeiras do mundo, diante de um vultoso empreendimento de altíssimo risco, a exploração de petróleo do pré-sal.
Aguardado com expectativa pela sociedade, o plano não surpreendeu. Ao contrário, decepcionou, o que não pode ser atribuído à falta de tempo para seu desenvolvimento. O trabalho vem sendo cozinhado por 17 Ministérios desde 2010, quando o vazamento de petróleo no Golfo do México, o maior da história americana, evidenciou a falta de preparo da maioria dos países para lidar com esse tipo de situação, Brasil inclusive.
A decepção teve início durante a própria concepção do plano. Em momento algum houve convite para a participação, ou pelo menos para apresentação prévia, à sociedade civil ou aos setores de turismo e de pesca – atividades mais afetadas, caso as ações emergenciais não funcionem. Não faltou disposição ao diálogo por parte dos representantes da sociedade civil. Em maio de 2013, por exemplo, a Fundação SOS Mata Atlântica solicitou uma audiência com os ministérios responsáveis para propor que detalhes do plano fossem apresentados à entidade e aos demais segmentos. Até hoje, a Fundação aguarda o agendamento desse encontro.
Vazamento no Golfo do México evidenciou o despreparo para lidar com essa situação. Do Brasil inclusive.
Assim, o Plano já nasceu incompleto, pois não expressa uma visão ampla sobre o assunto e tampouco atende às legítimas preocupações de parcelas relevantes da sociedade. Em diversos aspectos, apresenta-se como uma caixa preta. O Decreto 8.127 de 23 de outubro de 2013 determina que o Ministério do Meio Ambiente será a autoridade nacional que terá de coordenar e articular ações para facilitar e ampliar a prevenção, preparação e a capacidade de resposta nacional a incidentes de poluição por óleo.
O mesmo Ministério do Meio Ambiente é responsável por avaliar e aprovar os Planos de Emergência Individual das companhias petrolíferas, mas nunca teve estrutura e orçamento suficientes para checar se, no momento de um acidente, as empresas têm reais condições de implementar as ações propostas.
O plano não deixou claro ainda como se dará sua operacionalização. Não determinou orçamento e não especifica as estruturas disponíveis e os tipos de embarcações para operar em áreas profundas e distantes da costa, como as do pré-sal. Também é questionável a divisão de responsabilidades em um eventual acidente. Segundo o plano, há três possíveis coordenadores operacionais: a Marinha, no caso de acidentes em águas marítimas; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para águas interiores; e a Agência Nacional do Petróleo (ANP), nos casos que envolvam estruturas submarinas de perfuração e produção. Possíveis dúvidas nesse sentido podem levar à paralisia, o que potencializa os efeitos negativos de um vazamento.
Não podemos deixar de lembrar um caso ocorrido aqui. Exatamente dois anos atrás, em novembro de 2011, a empresa americana Chevron causou um grande acidente no mar brasileiro, no Campo de Frade. O susto foi grande. O tamanho inicial do vazamento foi estimado pela Agência Nacional de Petróleo em 330 barris por dia, ou 50 mil litros de óleo. Mas imagens de satélite obtidos pela Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) indicaram um vazamento dez vezes maior. A extensão da mancha vista do espaço levou a um cálculo de 3,7 mil barris de óleo por dia – quantidade próxima à identificada no início do vazamento do Golfo do México.
O triste episódio evidenciou uma gigantesca falta de governança por parte dos órgãos governamentais, uma vez que no momento da tragédia a única fonte de informação para a sociedade civil era a própria empresa, que soltava aos poucos informações vagas pouco precisas. Nesse momento, era fundamental que o governo brasileiro tivesse suas próprias condições para chegar ao local do vazamento e avaliar o tamanho do impacto, não somente para agir com rapidez, mas também para ser capaz de repassar informações transparentes e precisas aos brasileiros e para a sociedade internacional. Isso não pode ser esquecido nem deve se repetir.
Não negamos, evidentemente, os possíveis benefícios econômicos e sociais que a exploração no pré-sal, com suas reservas de 8 a 12 bilhões de barris, pode trazer ao país. Mas os riscos apresentam proporções semelhantes, pois não é só de petróleo que vive a costa brasileira. Mais de 25% da população do país mora na zona costeira e cerca de 4 milhões de brasileiros utilizam seus recursos naturais para sobreviver. Segundo dados do Ministério da Pesca, existem quase 1 milhão de pescadores no Brasil, responsáveis pela oferta de 1,24 milhão de toneladas de pescados por ano, sendo que cerca de 45% dessa produção é da pesca artesanal.
O litoral é também um dos principais destinos turísticos do Brasil. Ainda há enorme espaço para aprimorar a estrutura e o atendimento nessa área, mas se o meio ambiente na faixa litorânea for destruído ou seriamente danificado, levará à bancarrota esses dois importantes setores da economia brasileira.
Em 180 dias o Ministério do Meio Ambiente deverá revelar qual será a estratégia de implementação do Plano Nacional de Contingência. Até lá, infelizmente, só nos resta torcer para que nenhum desastre ambiental nas áreas de exploração petrolífera nos surpreenda, pois até agora existe apenas uma carta de intenções e não efetivamente um plano para enfrentar essa situação.
Pedro Luiz Barreiros Passos é presidente da Fundação SOS Mata Atlântica
Roberto Luiz Leme Klabin é vice-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica para a área de Mar.
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