Na última reunião do CMPDSA (Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Socioambiental), realizada em 07/05/2025, a Secretaria Municipal de Habitação de Ilhabela apresentou um Projeto de Lei que propõe anistia a obras e construções irregulares e/ou clandestinas no município. A proposta ignora marcos legais como a Lei Federal nº 13.465/2017 (Reurb), o Decreto Estadual nº 62.913/2017 (GERCO) e o Plano Diretor Municipal (Lei nº 421/2006), além de violar princípios constitucionais. Conselheiros presentes na reunião apontaram inconsistências e a ausência de estudos de impacto quantitativo e qualitativo.
O Projeto de Lei de Anistia (Processo Administrativo nº 14.216/2023) visa instituir o Programa de Regularização de Obras e Construções Irregulares e/ou Clandestinas no Município, abrangendo edificações realizadas até 31/10/2023.
O termo “anistia” refere-se a um instituto penal-político voltado à pacificação de conflitos ou à restauração de direitos civis, não devendo ser aplicado para liberar infrações administrativas urbanísticas. A própria Lei de Edificações de São Paulo (Lei nº 17.202/2019), frequentemente confundida com uma “lei de anistia”, adota um modelo de regularização com contrapartidas técnicas e financeiras, sem perdão automático de irregularidades.
A Lei Federal nº 13.465/2017, que trata da regularização fundiária urbana (Reurb), não autoriza a chamada “anistia urbanística” irrestrita. Pelo contrário, exige o cumprimento de requisitos técnicos, ambientais, urbanísticos e sociais, prevendo modalidades distintas conforme a natureza da ocupação e os impactos sobre o território. A proposta ignora completamente esse marco legal federal ao deixar de estabelecer critérios objetivos, mecanismos de controle e formas de compensação urbanística, contrariando diretamente o regime jurídico nacional da regularização fundiária.
Portanto, utilizar o termo “anistia” neste contexto deturpa seu sentido jurídico e fragiliza o ordenamento territorial, incentivando o descumprimento da legislação, premiando infratores e comprometendo a função socioambiental da propriedade.
A regularização urbanística, para ser legítima, deve no mínimo:
- Atender às normas federais e estaduais de regularização fundiária e de meio ambiente;
- Estar precedida da revisão do Plano Diretor (Lei nº 421/2006), ainda pendente de conclusão;
- Basear-se em estudos técnicos e laudos de segurança;
- Observar critérios legais e ambientais, com cobrança de outorga onerosa;
- Jamais alcançar obras em Áreas de Preservação Permanente (APPs) ou zonas incompatíveis com a legislação estadual (GERCO) e federal.
Entendemos que o caminho correto é a criação de um procedimento estruturado de regularização, com requisitos claros, laudos de segurança, mitigação de impactos e cobrança de outorga onerosa. E, antes disso, é imprescindível concluir a revisão do Plano Diretor. O Conselho aguarda o andamento por parte da Prefeitura de Ilhabela quanto ao aditamento do contrato com a empresa contratada para elaboração da revisão da Lei nº 421/2006 (Plano Diretor), uma vez que a proposta apresentada não consistia em uma revisão da legislação vigente, mas sim em uma nova legislação, o que foi totalmente refutado pela maioria dos conselheiros.
É evidente e imprescindível a realização de um levantamento técnico abrangente das unidades e áreas atualmente ocupadas no município, bem como a identificação pormenorizada das irregularidades abrangidas pela proposta legislativa — incluindo a natureza das infrações cometidas, sua localização e extensão. Não há dúvidas de que tais estudos são essenciais para dimensionar com precisão os impactos da medida e assegurar que eventuais regularizações ocorram com base em critérios técnicos, legais e pautados pela transparência.
De todo modo, é absolutamente inadmissível qualquer medida que vise aprovar ou anistiar construções realizadas dentro de APPs, Unidades de Conservação, Áreas de Risco ou em desconformidade com a legislação estadual, federal ou com as diretrizes do Gerenciamento Costeiro (GERCO).
Cabe destacar que, no caso específico do litoral paulista, o Decreto Estadual nº 62.913/2017 regulamenta o Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira, estabelecendo diretrizes vinculantes para o uso e ocupação do solo nos municípios costeiros. Assim, qualquer tentativa de “anistiar” edificações nessas zonas constitui também clara violação ao ordenamento jurídico estadual e ao pacto federativo de competências ambientais.
O PL, portanto, fragiliza o ordenamento territorial, desestimula o cumprimento voluntário da legislação, premia infratores em detrimento dos cidadãos que seguem as normas vigentes e, mais gravemente, compromete a função socioambiental da propriedade.
Além disso, sendo o município de Ilhabela um território sensível, inserido em área de proteção costeira e de amortecimento do Parque Estadual, com significativa fragilidade ambiental, a adoção indiscriminada de uma “anistia urbanística” colide frontalmente com os princípios da precaução, da prevenção e da vedação ao retrocesso ambiental.