Ilhabela e a Ocupação de Encostas

As tragédias recentes que se abateram sobre as cidades da região serrana do Rio de Janeiro, têm levado muitas pessoas de nossa região a pensar: isto pode acontecer por aqui?

Infelizmente a resposta não serve para tranqüilizar ninguém. 

– Sim, Ilhabela e as demais cidades da região estão sujeitas a ocorrência de eventos similares aos que aconteceram no Rio de Janeiro, bastando lembrar que nossa região é cortada pela mesma Serra do Mar formadora da região serrana fluminense. A catástrofe de Caraguatatuba em 1967 não nos deixa mentir. Ressalte-se que o volume das chuvas que caíram sobre Caraguá na ocasião foi cerca de três vezes maior que as que caíram sobre Friburgo nos dias críticos do mês passado.

 

A nosso favor o fato de que nossas encostas ainda não estão tão densamente ocupadas. O que não significa que estejamos livres das ameaças, uma vez que temos muitas áreas de risco ocupadas. Ocupação que se dá por casas de todos os portes e tipos, nem sempre respeitando as leis, o bom senso ou as boas normas de engenharia.

Em função das características da região, dominada por morros de declividade elevada e pelas fortes chuvas de verão, entendemos que nossa segurança depende muito mais de nós mesmos e da postura que adotamos diante delas. Nossa intenção é apresentar informações que ajudem no entendimento desses fenômenos, visando a prevenção e a redução dos riscos a eles associados.

É importante que se destaque que estes processos são naturais e bastante comuns em regiões de clima tropical úmido e com características de relevo similares as nossas. São eventos que ocorrem em todo o mundo há milhões ou a bilhões de anos.

Com o adensamento populacional nas cidades um número cada vez maior de pessoas constrói suas moradias nas encostas, nos sopés de morros ou junto a rios, sem respeitar os padrões técnicos adequados e na maioria das vezes sem ter a noção dos riscos que correm.

Os movimentos de massa são desencadeados pela força da gravidade, que atrai os materiais constituintes dos morros em direção às partes baixas do relevo. Os mais perigosos e de efeito mais dramático estão associados à presença de água, que atua como elemento deflagrador dos processos, aumentando o peso do solo e diminuindo o atrito que mantém o solo “agarrado” a encosta, ocorrendo na maior parte das vezes na estação chuvosa, de dezembro a março.

Sua classificação é complexa pela multiplicidade de fatores envolvidos. De maneira geral os movimentos de massa podem são classificados em 4 tipos principais:

• Rastejo

  

 

• Escorregamentos

  

  

• Quedas

  

  

• Corridas de Massa

  

Fonte: IPT

Independentemente do nome ou tipo, devemos ressaltar que o potencial de risco está associado, principalmente, à velocidade com a qual o processo se desenvolve. Quanto mais rápido for o deslocamento de material, maior o risco para as pessoas e maior a destruição envolvida.  

A estabilidade de uma encosta depende de fatores naturais e antrópicos (causados pelo homem).  

Os fatores naturais relacionados a estabilidade das encostas são:

• a declividade (inclinação) e amplitude (altura) da encosta, bem como sua forma;
• a existência e o tipo de vegetação existente (gramíneas, arbustos ou herbáceas);           

A água desempenha um papel decisivo nestes processos, estando sempre associada aos escorregamentos. 

As ações antrópicas que atuam como agentes indutores de processos de escorregamentos são: 

  • Cortes íngremes ou verticais em morros para a implantação de moradias e vias;
  • A execução de aterros, sem o devido cuidado técnico;
  • A retirada da cobertura vegetal, deixando o solo exposto;
  • Concentração e escoamento das águas de chuva de telhados e calhas no solo exposto;
  • Lançamento de águas de fossas e sumidouros em vários pontos da encosta;
  • Abastecimento das casas com mangueiras, sujeitas a vazamentos;
  • Obras de drenagem e estabilização de encosta mal executadas;
  • Lançamento e acúmulo de lixo e de entulho nas encostas;
  • Cultivo de espécies inadequadas como bananeiras;
  • Construções mal executadas ou construídas sobre solos instáveis.

Como vimos causas dos movimentos de massa e os fatores que os agravam são bastante conhecidos, para enfrentá-los é imprescindível a conscientização da população e dos agentes públicos no desenvolvimento de ações coordenadas que visem atenuar os riscos da ocupação de encostas pela população, em especial na implantação de políticas, inclusive habitacionais, que proporcionem um enfrentamento real do problema, evitando tragédias como as que ocorreram no estado vizinho.  

Gostaríamos de destacar que existem áreas naturalmente de risco, que não devem ser ocupadas e aquelas que se tornam de risco, graças a ocupação inadequada. As encostas podem ser ocupadas, desde que com critérios bem definidos e com o uso de técnicas adequadas, já conhecidas ou a partir de propostas inovadoras para o enfrentamento do problema. 

Mas que fique claro: não existem soluções fáceis – a ocupação de encostas e os movimentos de massa envolvem situações complexas que só com muita engenhosidade, boa técnica e investimentos podem ser enfrentadas, apesar da possibilidade do desenvolvimento de ações simples que atenuem os riscos envolvidos.

Para finalizar gostaríamos de deixar para reflexão a frase de um dos autores nos quais nos baseamos para conceber este texto:  

“É necessário ainda que se desenvolva um novo entendimento, uma nova cultura que entenda que as chuvas acima da média e as encostas instáveis não têm culpa de nada. Cabe a nós entender os sinais que a Natureza nos dá e resolver os problemas da melhor forma possível. Isso se faz com ciência e informação. Dezembro, janeiro e fevereiro devem ser meses de chuva, não de tragédias anunciadas.” (Picanço, 2010)

Para saber mais:

Movimentos gravitacionais de massa, tragédias de verão, Jefferson Picanço. 2010.
Plano de Redução de Riscos da Estância Balneária de Caraguatatuba (SP), UNESP. 2006.
Ocupação de Encostas, IPT.1991
Vulnerabilidade Associada a Precipitações e Fatores Antropogênicos no Município de Guarujá (SP) – Período de 1965 a 2001, Ricardo Araki. 2007

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