Motivação …e assim ela se foi, sem se despedir

 
 

 

O chapéu desta matéria não poderia ser outro; Motivação, melhor que fúnebre ou féretro, morte, saudade ou condolências, mas a palavra “motivação” nos remete a uma lembrança que jamais esqueceremos. Ilhéus e muitos veranistas ou turistas hão de se lembrar para sempre o sorriso aberto, a gargalhada, a palavra motivação, o aperto de mão ou o beijo na face, até mesmo a bronca reparadora a algum colaborador do estabelecimento onde desenvolveu os seus predicados por longas décadas a funcionária exemplar, Maria, a Maria do Frade, a simplesmente Maria do samba e do choro, do funk e da balada, do axé e da sempre presente alegria, das músicas da velha guarda ou dos embalos da jovem guarda, como vimos em shows recentes de Erasmo Carlos, Demônios da Garoa, Wanderléa, os Titãs, de Rita Lee e tantos outros.

          Repentinamente, Maria que sentia dores terríveis em dias de trabalho, virava-se – displicentemente -, com um Dorflex, mascarava infecção de longa data, até que um dia ficou inerte em casa, não indo ao trabalho. Sentiram a sua falta, foram à sua casa e ela se contorcia em dores. Socorrida, levaram-na para São Paulo. Hospitalizada, passou por delicadas cirurgias.

          Retornou semanas depois, permaneceu no Hospital de Clínicas, em São Sebastião, especial atenção era-lhe dada e o pessoal do Supermercado do Frade acompanhava de perto a sua maratona terrível, para a sobrevivência. Alguns mais chegados a visitaram. Fomos lá, havia passado da hora de visitas, não pudemos vê-la, a primeira vez. Depois a vimos, cansada, respirando mal, definhando. A má respiração era conseqüência de problemas nas vias áreas. Olhou-me, abriu um sorriso, virou de lado, duas lágrimas brotaram. Pensei comigo: motivação difícil essa, a sobrevivência; uma nova luz, lampejos de vida, fulgores da alma e, ao saber de seu sofrimento, no domingo, cominfecção generalizada, o frágil corpo de Maria, senti que o Todo Poderoso poderia operar milagres, mas procura sempre evitar que continue a sofrer um filho seu.

          Na segunda pela manhã veio a noticia de sua morte. Descansou, disse ao meu íntimo. E não foi diferente. O sofrimento era terrível. Não houve, dentre os companheiros de trabalho quem não chorasse. Maria descansou em paz. O calor humano que a invadia será repartido por todos que a conheceram, até mesmo por aquela mãe, veranista, que um dia dava safanões no filho que insistia em ir para a praia; ”nós estamos aqui para ir à praia ou para fazer compras”, perguntava o garoto. E a mãe lhe deu um chega pra lá. Maria viu e partiu até um dos caixas, pedindo para a mulher se acalmar e não bater no garoto. ”Bato porque o filho é meu e você não tem nada com isso, disse. Maria foi incisiva: ”na minha frente, não”. Foi quando a mulher, deixando o carrinho de compras lotado, sem passar pelo caixa, falou: “Vamos embora filho, nunca mais entro aqui. Maria, na simplicidade de seus gestos, articulada e sem papas na língua, foi logo falando: ”não precisa mesmo, pode ir embora, mas na minha frente, mãe nenhuma vai bater em filho”. E mais não disse.

          Falar de Maria, todos saberão. Cada qual terá uma história. Há muitas, tantas inesquecíveis, como a recuperação de um dependente químico que poucos sabem. Há o abrigo para muitos que não podiam voltar para casa e ela lhes dava um chá, uma coberta, algo para comer, refazendo-se. Muitos a viram alimentando animais, cães preferencialmente, mas racionais, poucos sabiam, além das crianças que recebiam presentes e alimentos, em campanhas memoráveis, com apoio geral.

          Maria era assim. Deus a chamou na mesmo época em que chamou outros seres humanos especiais e, onde estiver, estará orando por nós, rindo a mais não poder com as piadas de Chico Anísio, tendo a certeza de que Millor Fernandes era coerente ao dizer que “a morte é compulsória”. Você pode comprovar isso, tá certo que, antes do combinado, Maria do Frade.

          Até um dia. Fernando Siqueira.

          Ilhabela perdeu sua maior celebridade: Maria do Frade. Uma mulher que chegou do nada e, com muito pouco, conseguiu aquilo que poucos nesse mundo tem o luxo de fazer: ser feliz sendo ela mesma. Durante toda a sua trajetória, Maria foi a mais rica de todas. Rica em saúde, em amor, em felicidade. Era impossível alguém ouvir seu riso e não sorrir. Era impossível estar perto dela e não se encantar por sua ingenuidade, sua pureza, sua bondade. Ela era o amor em pessoa. E não tinha medo disso.

          Maria amava ao próximo, aos animais, a Deus e nunca escondeu isso de ninguém. “Obrigado por você existir”, dizia toda vez que encontrava alguém. Ironia do destino, né? Porque acho que somos nós que deveria mos agradecer por ela existir.

          Maria foi uma irmã. Fomos criados juntos. Nos divertimos juntos. Ela acolheu nossa família como sua própria e assim ela foi recebida: com pai, mãe e irmãos, que nunca a viram como uma estranha, como uma de fora. Não. Sempre foi dos nossos.

          Pode soar estranho dizer, mas não creio que não se pode ter tristeza nesse momento. Porque tristeza não combina com Maria. Maria era felicidade, Maria era alegria. A saudade, essa sim, é inevitável, mas o que nos consola é ter a certeza de que o céu está reforçando seu exército e ganhamos mais um poderoso anjo da guarda! Uma guerreira que valorizava a vida mais do que tudo e que lutou até seu último momento. E agora ela descansa seu merecido sono.

          Brilha, minha flor. Brilha, minha irmã. Vai lá em cima e abençoe a todos, sabendo que sempre foi a mais amada. Uma cidade inteira se apaga por você, mas use a sua luz para iluminar todos nós e que sua história seja de exemplo para todos os seres humanos.

          Que nos demos conta de que o que vale nessa vida é muito mais do que dinheiro e posses. Amemos. A Ilha fica um pouco mais vazia, mas aquele riso jamais se apagará. Estão todos unidos num grande amor para saudar o nosso novo anjo.

          E ela pode ter partido, mas seu espírito permanece. É só passar pelas ruas, é só passar pelo Frade. A Maria está ali. Porque a Maria está sempre em nossos corações e dali ela não sai. Nunca! Obrigado, Maria, por VOCÊ existir, minha irmã. Felipe Rocha Azevedo Silva

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