Suspensão LP – Licença Prévia do Porto de São Sebastião. Despacho na íntegra:
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Consulta da Movimentação Número: 11
PROCESSO0000398-59.2014.4.03.6135
Autos com (Conclusão) ao Juiz em 27/06/2014 p/ Despacho/Decisão
*** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio
Vistos, etc.,Trata-se de ação civil pública, com pedido de liminar, ajuizada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Es-tado de São Paulo em face do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e Companhia Docas de São Sebastião – CDSS, com o objetivo de invalidar a licença prévia nº. 477/13 emitida pela autarquia ambiental federal para as denominadas fases 01 e 02 do Projeto Integrado Porto Cidade, mais conhecido como ampliação do Porto de São Sebastião, atualmente administrado pela segunda ré. Em pedido de liminar, a parte autora pleiteia a suspensão do procedimento administrativo de licenciamento.Após discorrerem sobre o contexto dos impasses ambi-entais do litoral norte paulista e os megaempreendimentos em curso na região, os autores sintetizaram os fundamentos do pedido formulado em cinco tópicos, a saber:a-) ausência de estudos de impactos cumulativos e si-nérgicos contemplando outros 12 megaempreendimen-tos localizados no Litoral Norte ( art. 6º, II, da Resolu-ção CONAMA nº 01/86); b-) incorreta definição das áreas de influência direta e indireta do empreendimento e ausência de informações sobre a Autorização de Licenciamento Ambiental – A.L.A. do ICMBio-ESEC/Tupinambás e desconsideração dos estudos complementares exigidos pelos Gestores das Unidades de Conservação atingidas, (art. 5º, III, da Resolução CONAMA 01/86, artigo 36, caput e 3º da Lei 9.985/00 e artigos 1º e 3º, II, c.c. 3º da Resolução CONAMA 428/10);c-) ausência de avaliação devida dos planos e programas governamentais propostos e em implantação da área de influência do projeto e sua compatibilidade (art. 5º, IV, da Resolução CONAMA 01/86);d-) ausência de reais alternativas locacionais – aspecto formal e material – (art. 5º, I, da Resolução CONAMA 01/86) e;e-) aquiescência com a possibilidade de ocorrência de sério e irreversível dano na Baía do Araçá, (art. 8º, 2º da Lei nº 12.651/2012 e art. 3º, X, da Resolução CONAMA nº 303/2002). Foram juntados documentos com a inicial (fls. 115/1167), todos elencados no índice de fls. 113/114.Antes da apreciação do pedido de liminar, foi dada vis-ta prévia à representante legal do IBAMA para manifestação no prazo legal do art. 2º da Lei nº 8.437/92 (fls. 1174).Em sua manifestação (fls. 1183), o IBAMA rechaça os argumentos trazidos com a inicial em seus cinco tópicos, nos seguintes termos:a-) a Resolução CONAMA nº 01/86 não exige análise aprofundada dos impactos cumulativos e sinergéticos do empreendimento e as informações fornecidas aten-dem ao disposto na resolução;b-) foi correta a definição das áreas de influência direta e indireta do empreendimento, que distancia cerca de 35 km da Estação Ecológica de Tupinambás, razão pela qual não há necessidade da anuência da referida unidade de conservação, tendo ocorrido a anuência das unidades de conservação situadas a 3 km do empreendimento; c-) o empreendimento está em conformidade com a legislação municipal de uso e ocupação do solo, conforme declaração firmada pela Prefeitura Municipal de São Sebastião e, por ser obra de utilidade pública, não se sujeita às regras do Zoneamento Ecológico Econômico do litoral norte; d-) foram consideradas as alternativas locacionais e tecnológicas. O projeto inicialmente apresentado, por exemplo, implicava completo aterro da Baía do Araçá, enquanto o por fim licenciado envolve a construção de lajes com pilotis com o recobrimento de 75% da baía;e-) o art. 8º do novo Código Florestal não veda a intervenção ou supressão de manguezal em caso de obra de utilidade pública, como a ampliação do Porto de São Sebastião.É o relatório do essencial. Passo a decidir o pedi-do de liminar.A solução do complexo conflito trazido a juízo pelo Mi-nistério Público Federal e Ministério Público do Estado de São Paulo passa por um juízo de ponderação entre legítimos interesses em aparente oposição e um juízo de legalidade sobre a licença prévia atacada.Não se pleiteia impedir a ampliação do Porto de São Sebastião, mas sim compatibilizá-la com o devido processo legal e o de-senvolvimento sustentável, assim entendido como o ponto de equilíbrio entre os aspectos econômico, social e ambiental.O Porto de São Sebastião iniciou suas atividades, en-quanto porto organizado, em 1955. O Terminal Marítimo Almirante Barro-so – TEBAR, parte integrante do porto organizado e administrado pela Petrobrás Transportes S/A – Transpetro, foi inaugurado em 1968, passando a desempenhar papel estratégico no abastecimento de combustível na região sudeste.A estrutura física do Porto de São Sebastião, incluindo o TEBAR, confunde-se com o centro da cidade de São Sebastião, ocupando cerca de trinta por cento do espaço urbano. Tal índice de ocupação, com a conclusão de todo o projeto de ampliação, atingiria, segundo a inicial, a cinquenta por cento do núcleo urbano (vide foto de fls. 39). O Porto de São Sebastião tem uma pequena movimentação em comparação ao Porto de Santos, que possui capacidade e estrutura logística infinitamente maior. Ao contrário, o TEBAR é o principal ponto de entrada de petróleo e seus derivados que abastecem a região sudeste do país. O petróleo e seus derivados são transportados do TEBAR até as refinarias por um complexo de oleodutos que sobe pela Serra do Mar.Apesar de ser parte integrante do Porto de São Sebas-tião, sujeitando-se à mesma autoridade portuária, o TEBAR ocupa um espaço físico e tem um movimento de navios bem maior do que o terminal do porto em si. Em linguagem mais simples, é como se uma edícula ficasse bem maior do que a casa principal. A licença ambiental prévia ora atacada limita-se às fa-ses 1 e 2 da ampliação do Porto de São Sebastião, excluindo a amplia-ção do TEBAR, que é objeto de licenciamento próprio junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB, empresa pública responsá-vel pelo licenciamento no âmbito estadual.A ampliação do Porto dar-se-á em um contexto ambiental bastante singular. O litoral norte paulista possui, em grande extensão, três (Mata Atlântica, Serra do Mar e Zona Costeira) dos cinco biomas que a Constituição Federal reservou proteção especial, em seu art. 225, 4º, assim redigido: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.(…) 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.” (grifei)A diretriz constitucional é reforçada pela presença de várias unidades de conservação estaduais (Parque Estadual da Serra do Mar, Parque Estadual da Ilhabela, Parque Estadual da Ilha de Anchieta, Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte, Área de Relevante Interesse Ecológico de São Sebastião – CEBIMar-USP) e federal (Estação Ecológica Tupinambás), que ocupam cerca de 80% da base territorial do litoral norte.Além das unidades de conservação elencadas, temos inúmeras áreas de preservação permanente – APPs, em especial manguezais (art. 3º, XIII, c.c. art. 4º, VII, ambos do Novo Código Florestal, aprovado pela Lei nº 12.651/2012), dos quais destaco o manguezal do Araçá situado ao lado do Porto de São Sebastião e sobre o qual o projeto de ampliação pretende avançar.A principal atividade econômica do litoral norte é o tu-rismo, que pressupõe praias e paisagens limpas, belas e sustentáveis. Neste ponto, o ambiental se confunde com o econômico e social.O conjunto de treze megainvestimentos em curso na região e elencados na inicial (fls. 32) pode ser dividido em três grupos: indústria de petróleo e gás; Porto de São Sebastião e Rodovia dos Ta-moios. Entre todos os empreendimentos, a ampliação do Porto de São Sebastião é o mais polêmico, pois mais apresenta riscos ao desen-volvimento sustentável protegido constitucionalmente.Neste contexto, a concessão de uma licença prévia deve ser norteada pelo princípio da prevenção (não correr riscos previs-tos) e precaução (evitar os riscos imprevistos). Na dúvida, deve-se privilegiar a proteção ao meio ambiente, principalmente considerando que as obras não foram iniciadas e o maior volume de gastos públicos não realizados.A avaliação de impactos ambientais e o licenciamento ambiental constituem a melhor materialização dos princípios da preven-ção e precaução, sendo instrumentos expressos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, III e IV da Lei nº 6.938/81).Compete ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA estabelecer normas e critérios do licenciamento ambiental (art. 8, I da Lei nº 6.938/81), através de resoluções de seu colegiado, entre as quais destaco as resoluções nº 1/86 (critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental); nº 237/97 (licenciamento ambiental); nº 303/02 (Áreas de Preservação Permanente) e nº 428/10 (autorização do órgão responsável da Unidade de Conservação no licenciamento ambiental). A presente decisão passa pela interpretação das referidas resoluções, considerando todo o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente.Estabelecidos, em abreviada síntese, o contexto fático e jurídico da demanda, passo à análise dos argumentos apresentados pela parte autora em seus cinco tópicos, em nível de cognição condizente com o momento processual de apreciação do pedido de liminar formulado. Ausência de Estudos de Impactos CumulativosSustentam os autores que o EIA/RIMA apresentado pe-lo empreendedor deveria ter estudos dos impactos cumulativos e sinergéticos de todos os megaempreendimentos em curso no litoral norte em face da relação de interdependência entre os mesmos. A seu ver, a obrigatoriedade da análise dos impactos cumulativos e sinergéticos está expressamente prevista na Resolução CONAMA nº 01/86, que regulamenta a avaliação de impacto ambiental, especificamente no seu art. 6º, II, assim redigido:”Artigo 6º – O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: (…)II – Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prová-veis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios soci-ais. ” (grifei)Em sua manifestação, o IBAMA entende que a norma acima transcrita não obriga o empreendedor a apresentar a análise dos impactos cumulativos e sinergéticos entre os empreendimentos em curso na região, mas sim os impactos a serem gerados apenas pelo empreendimento objeto do licenciamento (fls. 1184/1185).A referida norma não é precisa utilizando conceitos ju-ridicamente com grande grau de indeterminação, permitindo interpreta-ções diversas quanto a sua extensão. Mas, trazendo as consequências da interpretação dos autores ao caso presente, chegaremos a uma conclusão desarrazoada. Seria desproporcional exigir de um empreendedor a análise no EIA/RIMA dos efeitos cumulativos e sinergéticos dos doze empreendimentos sob a responsabilidade de diversos outros empreendedores, alguns empreendi-mentos inclusive com relação tênue com a ampliação do Porto de São Sebastião (vide quadro de fls. 33).A análise global é importante, mas, na extensão e pro-fundidade reclamada pelos autores, é de competência do Poder Público. A própria Constituição Federal, ao disciplinar a ordem econômica, estabelece a obrigatoriedade de planejamento nas ações do setor público, em seu art. 174: “Art. 174. Como agente normativo e regulador da ati-vidade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e plane-jamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 1º – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do plane-jamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.” Não se pode exigir do empreendedor privado função de competência do Poder Público. Tal função envolve inclusive informa-ções de outros empreendimentos privados. Uma exigência em tal proporção, além de não guardar coerência com o texto constitucional, representar óbice que inviabiliza na pratica o licenciamento do empreendimento. Mas no caso presente há empreendimentos, cujos im-pactos devem necessariamente objeto de análise para fins de licenciamento. No quadro elaborado constante da inicial (fls. 33), no qual os autores dão nota de um a três à intensidade das relações entre os treze megaempreendimentos no litoral, somente dois deles, a ampliação do Tebar e o contorno sul rodovia dos Tamoios, possuem relação de maior vinculação com a ampliação do Porto de São Sebastião. O contorno sul da rodovia dos Tamoios, de responsabi-lidade da DERSA-Desenvolvimento Rodoviário S/A, permitirá o acesso final rodoviário ao porto e, após o devido licenciamento ambiental a cargo da CETESB, já teve sua obra ressentimento iniciada, como é público e notório.Concentro, por consequência, a análise nas relações com a ampliação do Terminal Marítimo Almirante Barroso – TEBAR que também se encontra em fase de licenciamento ambiental junto à Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB. A rigor, deveríamos tratar o empreendimento objeto do licenciamento ora questionado apenas de “Ampliação de Parte do Porto de São Sebastião”, porque a ampliação do TEBAR, de responsabilidade da Petrobrás Transportes S/A – Transpetro, ficou de fora. Os impactos cumulativos e sinergéticos dos dois empreendimentos não foram analisados no EIA/RIMA e na concessão da licença-prévia da ampliação do Porto de São Sebastião.Repito: o TEBAR é um terminal pertencente ao Porto Organizado de São Sebastião, estando vinculado à mesma Autoridade Portuária. Evidente que a sua ampliação gerará impactos cumulativos e sinergéticos no restante do Porto de São Sebastião e vice-versa. Quem da baía olha o Porto de São Sebastião não consegue distingui-lo do TEBAR, pois o segundo é parte integrante do primeiro física e juridicamente.Voltando à alegoria utilizada no início da presente deci-são, a ampliação da edícula (TEBAR) certamente gera grandes impactos na casa principal (Porto de São Sebastião) e vice-versa. Os impactos das duas ampliações devem ser necessariamente analisados conjuntamente. Todo mestre de obra sabe disto.Em relação à ampliação do TEBAR, empreendimento com previsão de execução no mesmo período, a interpretação dos auto-res do disposto na Resolução nº 01/86 do CONAMA encaixa-se perfeita-mente. Os dois empreendimentos são como irmãos siameses e os respectivos licenciamentos devem considerar reciprocamente os impactos cumulativos e sinergéticos. Apenas, a título de exemplo, o impacto dos dois empreendimentos conjuntamente pode prejudicar sensivelmente o turismo no Município de Ilhabela situado do outro lado do canal de São Sebastião.Não vejo razão para que empresas do porte da Petro-brás Transportes S/A – Transpetro e da Companhia Docas de São Sebastião não dialogarem e considerarem reciprocamente os respectivos planos de ampliação, mesmo estando os respectivos licenciamentos a cargo de entidades ambientais diversas. Se este diálogo existe, ou existiu, não está materializado no EIA/RIMA ou na licença-prévia questionados. Em síntese, assiste razão aos autores quando apontam o vício na licença-prévia concedida em face da ausência de análise de impactos cumulativos e sinergéticos entre a ampliação do Porto de São Sebastião e a ampliação do TEBAR. Este vício, por si só, é suficiente para macular o proce-dimento de licença ambiental, que, neste particular, precisará ser retificado, começando pela complementação do EIA/RIMA.Incorreta Definição da Área de Influência e Ausência de Autoriza-ção do Órgão Responsável pelas Unidades de ConservaçãoO segundo argumento tem grande similitude com o primeiro, pois trata também da amplitude do EIA/RIMA. Os autores ques-tionam a definição das áreas de influência direta e indireta do empreendimento utilizada. A questão envolve a aplicação ao caso concreto do disposto no art. 5º. III, da Resolução CONAMA nº 01/86:”Artigo 5º – O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objeti-vos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: (…)III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, consi-derando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;” (grifei)A principal consequência apontada é a necessidade de autorização do órgão responsável pela administração das unidades de conservação localizadas nas áreas de influência e afetadas pelo empreendimento, nos termos do artigo 36 da Lei 9.985/00, assim redigi-do:”Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de em-preendimentos de significativo impacto ambiental, as-sim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. 1o O montante de recursos a ser destinado pelo em-preendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a im-plantação do empreendimento, sendo o percentual fi-xado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendi-mento. 2o Ao órgão ambiental licenciador compete de-finir as unidades de conservação a serem benefi-ciadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas uni-dades de conservação. 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amorteci-mento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua admi-nistração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deve-rá ser uma das beneficiárias da compensação de-finida neste artigo.” (grifei)O disposto visa harmonizar os dois instrumentos de proteção ao meio ambiente, o licenciamento ambiental e as unidades de conservação. Os autores centram seus argumentos na necessidade de autorização prévia do órgão administrador da Estação Ecológica Tupi-nambás, na forma do art. 36, 3º da Lei nº Lei 9.985/00, pois a referida unidade de conservação estaria na zona de influência indireta do empre-endimento. No Relatório de Impacto Ambiental, há a definição das áreas de influência direta e indireta (fls. 1145), na qual não é feita a menção da estação ecológica, que, conforme informa o IBAMA, fica a cerca de 35 km do Porto de São Sebastião. O procedimento da Autorização de Licenciamento Am-biental – ALA, no âmbito do licenciamento ambiental, do órgão responsá-vel pela administração da unidade de conservação é regulamentado pela Resolução nº 428, de 17 de dezembro de 2010, que estabeleceu, por um prazo de 5 anos, a necessidade de autorização quando o empreendimento estiver localizado a 3 km do limite da unidade de conservação ou de sua zona de amortecimento, nos termos de seu art. 1º:”Art. 1o O licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental que possam afe-tar Unidade de Conservação (UC) específica ou sua zona de amortecimento (ZA), assim conside-rado pelo órgão ambiental licenciador, com fun-damento em Estudo de Impacto Ambiental e res-pectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), só poderá ser concedido após auto-rização do órgão responsável pela administração da UC ou, no caso das Reservas Particulares de Patri-mônio Natural (RPPN), pelo órgão responsável pela sua criação. 1o Para efeitos desta Resolução, entende-se por ór-gão responsável pela administração da UC, os órgãos executores do Sistema Nacional de Unidade de Conser-vação-SNUC, conforme definido no inciso III, art. 6o da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000. 2o Durante o prazo de 5 anos, contados a partir da publicação desta Resolução, o licenciamento de empreendimentos de significativo impacto ambiental, localizados numa faixa de 3 mil metros a partir do limite da UC, cuja ZA não esteja estabelecida, sujeitar-se-á ao procedimento previsto no caput, com exceção de RPPNs, Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e Áreas Urbanas Consolidadas.” (grifei)A resolução estabeleceu um critério razoável, mas que, diante do caso concreto, pode ser afastado, considerando o espirito da lei, espécie normativa de grau hierárquico superior. No caso presente, apesar do aumento do movimento de navios estacionados à espera de atracamento no porto, não verifico uma situação fática a justificar um tratamento diverso da regra geral prevista na Resolução CONAMA nº 428, principalmente considerando a grande distancia do empreendimento.Ademais, a Estação Ecológica de Tupinambás não pos-sui zona de amortecimento aprovada, nem plano de manejo, o que evi-dencia a falta de definição de sua própria zona de influência. Neste con-texto, fica difícil sustentar a necessidade de sua autorização para um empreendimento tão distante. Neste ponto, não acolho, por ora, a argumentação dos Ministérios Públicos. Em sua manifestação prévia, o IBAMA mencionou que foram encaminhadas pelo empreendedor as autorizações dos órgãos res-ponsáveis pela administração das unidades de conservação situadas na área de influência, a saber: Parque Estadual da Serra do Mar, Parque Estadual da Ilhabela, Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Nor-te e Área de Relevante Interesse Ecológico de São Sebastião.No entanto, todas as manifestações dos gestores das unidades de conservação juntadas com a inicial foram inconclusivas ou requereram estudos complementares, razão pela qual as autorizações mencionadas pelo IBAMA necessitam ser trazidas aos autos para comprovação, neste ponto, do devido processo legal no licenciamento ambiental questionado.Ausência de Avaliação dos Planos Governamentais na RegiãoOs autores também alegam a ausência da análise da compatibilidade do empreendimento com os programas governamentais em curso na área de influência, em especial os planos diretores munici-pais, o Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral Norte (Decreto nº 48.215/04) e o Plano das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte. Susten-tam novamente a violação da Resolução CONAMA nº 01/86, agora em seu art. 5º, IV, assim redigido:”Artigo 5º – O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objeti-vos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: (…)lV – Considerar os planos e programas governa-mentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.” (grifei)Em sua manifestação, o IBAMA informa que o Porto de São Sebastião está inserido em “área de urbanização especial” previsto no Plano Diretor, tendo a Prefeitura Municipal de São Sebastião declarado a compatibilidade do empreendimento com as leis municipais de uso e ocupação do solo.Em relação ao Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral Norte, aprovado pelo Decreto Estadual nº 48.215/04, a autarquia ambiental federal, em sua manifestação prévia, esclarece que, nos termos do art. 49, os empreendimentos de utilidade pública não ficam sujeitos à regras do zoneamento.”Artigo 49 – As disposições do presente decreto não se aplicam a empreendimentos de utilidade pública, que permanecerão regidos pela legislação ambiental em vi-gor.”Quanto ao Plano das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte, os autores não apontaram objetivamente na inicial eventual incompatibilidade com o empreendimento licenciado que justifique a concessão de provimento jurisdicional cautelar. A juntada de todo o processo de licenciamento ambiental determinada ao final da presente decisão poderá levar a uma análise mais minudente da compatibilidade.Em síntese, neste tópico não encontro justificativa para embasar o pedido cautelar.Ausência de Alternativas Locacionais e TecnológicasNeste tópico, os autores questionam a ausência da análise das outras opções de localização do projeto de ampliação, inclusive a possibilidade de não implantação do projeto. Sustentam também a ausência das alternativas tecnológicas, especialmente quanto ao tratamento do manguezal do Araçá. Centram a argumentação na violação da Resolução CONAMA nº 01/86, em seu art. 5º, I, assim expresso:”Artigo 5º O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objeti-vos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I – Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; ” (grifei)Ora, quem conhece o Porto de São Sebastião, sabe que não muito a analisar sobre outras alternativas de expansão, pois está cercado pela cidade, o Tebar, o Araçá e o canal de São Sebastião. Mesmo assim, as alternativas locacionais, inclusive a alternativa de não execução, estão analisadas no RIMA, foram analisadas no EIA/RIMA (fls. 1130/35). Quanto às alternativas tecnológicas principalmente en-volvendo a supressão e intervenção no manguezal do Araçá também fo-ram tratadas no EIA/RIMA. A proposta inicial envolvia o aterramento de toda a Enseada do Araçá e, durante o procedimento de licenciamento, evoluiu-se para a alternativa de construção de uma l aje sobre 75% da enseada. As fases 01 e 02 previamente licenciadas já utilizará parte desta última alternativa.Houve, portanto, a análise das alternativas tecnológi-cas, mas a compatibilização da alternativa ao final escolhida com o siste-ma jurídico de proteção ao meio ambiente será objeto de apreciação no último tópico da argumentação dos autores, Dano Sério e Irreversível ao Manguezal do AraçáNeste último tópico, é abordada a intervenção e su-pressão prevista no empreendimento sobre o manguezal do Araçá, consi-derado área de preservação permanente – APP por disposição expressa do Novo Código Florestal (art. 4º, VII, da Lei nº 12.651/2012).O empreendimento, cuja licença ambiental prévia é questionada, prevê, além da supressão de parte da área de proteção permanente, a construção de laje sobre 75% da enseada do Araçá, com a utilização de pilotis que cobrirá o manguezal.O questionamento dos autores parte de uma interpre-tação restritiva do dispositivo do art. 8º, 2º, do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), assim redigido: “Art. 8o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei. 1o A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. 2o A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4o poderá ser autorizada, excepcionalmente, em lo-cais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. 3o É dispensada a autorização do órgão ambiental competente para a execução, em caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas. 4o Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regu-larização de futuras intervenções ou supressões de ve-getação nativa, além das previstas nesta Lei.” (grifei)Ao ver do Ministério Público, somente na hipótese pre-vista no 2º do art. 8º acima transcrito poder-se-á, excepcionalmente, autorizar a supressão ou intervenção em manguezal, não sendo possível na hipótese de utilidade pública, como é a ampliação do porto (art. 3º, VIII, b, da Lei nº 12.651/2012).Em sua manifestação (fls. 1200), o IBAMA dá interpre-tação diversa do mesmo dispositivo legal. Na sua visão, o manguezal, enquanto área de preservação ambiental, enquadra-se na regra geral do caput do art. 8º e na exceção do 2º, razão pela qual é viável a sua supressão ou intervenção em face de obras de utilidade pública, como a ampliação do Porto de São Sebastião.A interpretação do IBAMA é mais condizente com uma leitura sistemática da nossa legislação ambiental. É possível a supressão ou intervenção em vegetação de manguezal em função de obra de utilidade pública, mas sempre em caráter excepcional e mediante compensação ambiental. Interpretação em sentido contrário tornaria a proteção ambiental um valor absoluto em detrimento do desenvolvimento econômico e social e implicaria na inviabilização da grande maioria de obras de infraestrutura no país.No entanto, mesmo não partindo da mesma interpretação da legislação ambiental como pressuposto, chego à mesma conclusão dos autores pela existência de risco de sério e irreversível dano ao manguezal do Araçá autorizador do provimento cautelar formulado.Explico. Primeiro, a supressão e intervenção no man-guezal é medida excepcional, ou seja, que só poderá ser utilizada após o esgotamento das outras alternativas. Segundo, a intervenção deve se limitar ao mínimo necessário. Terceiro, a medida deve ser acompanhada da devida compensação ambiental, que deve equivaler à degradação ambiental causada, reestabelecendo assim o equilíbrio sustentável.No caso presente, não há consenso sobre os riscos ad-vindos da supressão e intervenção previstas no empreendimento. A pro-posta implica construção de laje sobre 75% da enseada do Araçá, com a utilização de pilotis, preservando manguezal mas limitando a iluminação natural. Em síntese, o manguezal vai ficar no escuro.As fases 01 e 02, objeto da licença prévia ora questio-nada, já contemplam parte da cobertura do manguezal. A opção da construção da construção da laje possivelmente será irreversível na sequência da ampliação.Na parte final do Relatório de Impacto Ambiental – RI-MA, o empreendedor de forma didática lista as perguntas e respectivas respostas mais frequentes e importantes do licenciamento. Na pergunta nº 24 (fls. 1160) aborda diretamente a construção das lajes sobre o Araçá e suas consequências, nos seguintes termos:”24. O MÉTODO CONSTRUTIVO PREVÊ LAJES SOBRE ESTACAS. A FALTA DE LUZ NÃO SERÁ PREJUDICIAL À FAUNA AQUÁTICA? Não. As análises técnicas do EIA indicam que esse im-pacto será de pequena magnitude. Por outro lado, as estacas de sustentação terão um efeito positivo para a fixação e refúgio de diversos organismos podendo, in-clusive, ocorrer um aumento da biodiversidade local a médio e longo prazo.”Creio ser um exagero afirmar que a falta de luz provo-cada pela laje que cobrirá o manguezal represente, mesmo que a médio prazo, um aumento de biodiversidade do ecossistema.Por outro lado, os autores juntam manifestações da comunidade científica questionadoras dos efeitos nocivos da solução apresentada que comprometeria a função ambiental do manguezal, principalmente considerando a cobertura ou sombreamento da área de preservação permanente. As manifestações do professor Alexander Turra do Departamento de Oceanografia Biológica do Instituto Oceanográfico da USP (fls. 1108 e 1111) sintetizam bem a posição da comunidade científica neste sentido.Tamanha é a singularidade do Manguezal do Araçá em termos de biodiversidade que a Universidade de São Paulo – USP man-tém nas proximidades o seu Centro de Biologia Marinha – CEBIMar-USP e pesquisadores de várias universidades estão integrados em projeto patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP que visa o estudo aprofundado do ecossistema ali presente (fls. 1005).As manifestações da comunidade científica levam, no mínimo, a configuração de séria dúvida sobre se a alternativa do projeto de cobertura do manguezal é a mais adequada. Neste contexto, em caso de dúvida, deve imperar, nos termos do princípio da precaução, a prote-ção do meio ambiente, principalmente considerando a singularidade do ecossistema.Ademais, qualquer intervenção deve ser medida excepcional e vir acompanhada de medida compensatória proporcional ao dano ambiental causado. No caso, a licença prévia não especificou a medida compensatória a ser adotada, impedindo a mensuração da sua equivalência ao dano causado.Neste cenário, diante do real risco da adoção de inter-venção comprometedora de um ecossistema tão sensível e protegido, deve prevalecer, em juízo cautelar, o princípio da precaução.ConclusãoNem todos os argumentos lançados pelos autores con-tribuem para a formação da fumaça do bom direito, mas a falta de análise dos impactos cumulativos e sinergéticos entre o empreendimento objeto de licenciamento e a ampliação do Terminal Marítimo Almirante Barroso – TEBAR, a falta de comprovação da Autorização de Licenciamento Ambiental – ALA das unidades de conservação afetadas e o risco de dano irreversível ao manguezal do Araçá são suficientes configurar o requisito autorizador do provimento cautelar.Presente também o perigo da demora, pois o início das obras pode representar dano irreparável ao meio ambiente, além o risco de desperdício de recursos públicos.Diante do exposto, defiro o pedido de liminar para suspender os efeitos da a licença prévia nº. 477/13 emitida pelo IBAMA das denominadas fases 01 e 02 do Projeto Integrado Porto Cidade, mais conhecido como ampliação do Porto de São Sebastião, determinando que os réus procedam: a-) a retificação do EIA/RIMA com a análise dos impactos cumulativos e sinergéticos entre o empreendimento objeto de licenciamento e a ampliação do Terminal Marítimo Almirante Barroso – TEBAR, objeto de licenciamento ambiental pela CETESB, com a análise objetiva da compatibilidade dos dois projetos;b-) a apresentação da Autorização de Licenciamento Ambiental – ALA prevista no art. 36, 3º, da Lei nº Lei 9.985/00 das unidades de conservação diretamente afetadas pelo empreendimento (Parque Estadual da Serra do Mar, Parque Estadual da Ilhabela, Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte e Área de Relevante Interesse Ecológico de São Sebastião);c-) a apresentação de alternativas menos impactantes em relação ao manguezal do Araçá, com a devida justificativa técnico-científica.Considerando a complexidade da obra e o respectivo licenciamento ambiental, importante criar o espaço institucional necessário ao entendimento entre as partes. A autocomposição apresenta-se como a forma mais célere da solução do conflito apresentado. Com este objetivo, fica, desde já, designada audiên-cia preliminar de conciliação a ser realizada no dia 12 de agosto próximo às 13.00 hs. nas dependências da Delegacia da Capitania dos Portos em São Sebastião, na Av. Dr. Altino Arantes nº 544, Centro, São Sebastião, em frente ao Porto de São Sebastião.A realização da audiência em local diverso da sede da Subseção Judiciária tem como objetivo permitir inclusive a visita das par-tes e seus representantes ao Porto de São Sebastião, utilizando-se a es-trutura da Autoridade Marítima.Na audiência preliminar de conciliação ora designada, as partes deverão comparecer acompanhadas de seus representantes legais, podendo cada uma contar com a participação de um técnico. As partes ficam já cientes da possibilidade de visita às dependências do Porto de São Sebastião.A realização de audiência preliminar de conciliação an-tes do transcurso do prazo de resposta dos réus não representa prejuízo ao contraditório e ampla defesa constitucionalmente assegurados.Intime-se também o IBAMA para juntar, no prazo de resposta dos réus, cópia integral do processo de licenciamento ambien-tal.Oficie-se à CETESB para que proceda à juntada do procedimento de licenciamento ambiental da Ampliação do Terminal Marítimo Almirante Barroso – TEBAR de responsabilidade da Petrobrás Transportes S/A – Transpetro.Dê-se ciência, por ofício, da presente decisão à Petrobrás Transportes S/A – Transpetro.Citem-se. Intimem-se.
Disponibilização D.Eletrônico de decisão em 17/07/2014 ,pag 1155/1160